E acontece que um homem normal
foi tomado por uma nuvem adversa.
Que fazer?
Abrir o guarda-chuva.
Querido Todonu:
Nestes últimos ando repassado de tumultos. Talvez esta epístola não seja a melhor granja para florir os meus privados, mas se a eles me permito creia que o faço porque em vós confio. Pois, é a vós, amigo, sábio e raro, que confio esta epístola em lacrimosa. Pois foi em lágrimas que me vi em pastel, desenhado, e desconhecido; não me reconheci no esboço que me fizestes. Que Gryllus me surge em olhos, que Circe fora? Porque o espelhado que surge é-me aos olhos hediondo.
Ora, sentia que algo andava no ar; que algo meu não passava do grafismo para a sobriedade da imagem; era a graça na austeridade.
Porque não fui traçado por linhas coloridas? Porque não fui traçado por formas esbeltas? Porque não fui traçado por superficies singelas?
Na verdade, pondo-me na pele do artista, reconheço as variações infinitas. E de resto digo: cada um pode distrair-se como bem entende, mas com o sono dos outros? Mas injusto seria privar o homem das belas artes. E quem por elas passa pode muito bem tirar proveito, e talvez sorrir, senão gargalhar. Mas, alguém rira sobre o meu retrato? Deus queira que não, ou morra já aqui.
Creia o meu amigo que me criticou de forma deveras mordaz. Depois de a desenhar, soube - veja, confio no vosso estudo e alcance de deambulações - que a outros coube o direito de a julgar. Pois bem: a fórmula segue a naturalidade: se no principio estava a pena que o desenhava, se então entremeava... vou comer um pão a palavra ultima roeu em mim um desejo de centeio com fêvera por isso pergunto se deva ou não maionesar a dita ou se a coma fresca e simples directa da grelha não interessa como-a assim mesmo já vim... a ideia, e a ideia é o artista, no fim então estará o desenhado. O seu rosto expele uma linguagem, e algumas são negros palavrões. O que me riscas, diria eu, será uma sátira?
A razão por que revesti esta epístola em tão fidalgo estilo é o jeito proverbial: " Se ninguém te louva, louva-te a ti próprio". Pois bem, revelei-me segundo o rosto e o olhar. As variações: truncadas e mal avaliadas algumas. Deixo de lado as metamorfoses sociais dos sorrisos. E como em Nestor, ora, como em mim, o tempo altera mudanças feitas e engrena outras que tais. Nesta pena estou congelado. Vê-de! Congelaste-me o rosto? Olha-me agora.
Não me importo que a Circe me ronde. Mas, e já Erasmo dizia, criticar será morder ou alertar os homens? Pois bem, que me alertas, ó artista? Demais, agora que penso, sou eu quem faz o alerta, e meu amigo me perdoará: vós tendes um traço por demais nefasto; como desenhador vales peva.
Do seu querido e sempre amigo,
Abdel.