15 outubro 2008

Cães.

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"They always have flowers. Every dog always has flowers, fresh, all in
neat little clusters on each grave. It's enough to make you cry."
Bukowski
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“... a verdade é que nada disso teria importância, não fora a tamanha satisfação que sentira ao lamber as mãos dos outros homens.”, latiu ela. Rebola, como rebola o sol sobre ela, e aquecida agradece o bendito alimento que recebe sem praticamente o pedir. A verdade: ser cão merece um aplauso; mas não serei optimista ao ponto de pensar que ser cão – cadela no caso – será a melhor condição de um ser vivo – seja ser vivo toda aquela substancia que um dia ganhou vida.
“Este é o meu primeiro enterro. Tenho 19 anos.” Testemunho.
Pontapeei a pedra solta na minha frente e nem um ganido suou. Nada suou daquela pedra solta: era uma pedra de calçada, branca e bela como um dente velho, cinzelada algures no meio do tempo e - imagino que? - nem um ganido ou latido suou quando aquela pedra de calçada foi cinzelada. A verdade: as pedras não são um ser vivo. Ora, poderei pensar, agora que acabei de te pontapear – e acabei de falar com uma pedra, reparem! – a melhor condição de um ser vivo é ultimamente ter a sorte de algures num tempo futuro se tornar uma pedra de calçada. Com azar te soltarás, penso, com muito azar serás pontapeada, continuo, mas melhor e mais perfeito, com azar voltarás para o mesmo buraco onde viveste – como quem diz – todos aqueles anos, imóvel ao lado de uma quantidade enorme de pedras caladas e cinzeladas com a mesma arte: não possuem qualquer diferença entre si, são seres perfeitos e iguais, moldados na perfeição do azar, mas terrivelmente aborrecidos. Ser pedra de calçada é ser pobre e miseravelmente insignificante – para além dos prazeres da ignorância da dor. Ser cão é ter apenas uma possibilidade de procurar prazeres com a satisfação da dor; note-se que pontapeado o cão gane, mas com o tempo o som desaparece com o hábito. “A pedra habituou-se”, penso. Daqui chego ao cemitério de cães: um cão enterrado transforma-se em terra, mais tarde em pedra, depois, e se forem muitos, numa pedreira.