02 março 2009

Rubrica da Vida: O Estranho.

O João Vieira era um rapaz estranho. Nada tinha a ver com a sua cor negra, muitas crianças negras conheci eu, o João era mesmo muito estranho. E tinha menos um dedo numa mão, o que se tornaria fatal no futuro.

- Na escola era O Estranho, o que não era de todo estranho, lembras?, disse-me ele, já homem, neste breve encontro junto a uma rotunda florida de papoilas; ele inaugurava, eu apreciava. A gravata era laranja, subtileza da Providência.

Brincava sempre sozinho porque as suas brincadeiras não eram comuns. Comprava bombas na papelaria mais próxima e estourava-as nos caixotes do lixo da escola; tinha na mochila uma flobert que deitava por terra, com uma eficácia mortífera, todos os frutos suspensos no diospireiro junto ao campo da bola.

O Nino – chamava-se em surdina! - era alto, magro e caminhava direito, com o olhar constantemente num alvo imaginário: nunca o perdia de vista. Um dia enchi-me de coragem e com meio croissant de chocolate nos dedos, outro meio no intervalo dos dentes, perguntei o que ele queria ser quando fosse grande. A minha pergunta tinha uma razão: as pessoas, ao longo do tempo, domesticam os gostos e aperfeiçoam as ferramentas. Este pensamento não o formulara na altura, obviamente – era estúpido demais para raciocinar com lógica. Seria o instinto básico de auto-preservação: queria precaver-me, mudaria de país se o calibre mo recomenda-se.

- Chefe de guerrilha!

E os olhos do João brilhavam como berlindes. Achei meio interessante – não é um brasileirismo: meio porque ser Chefe é sempre bom, apenas não sabia o significado da outra palavra, Guerrilha.

Mantive-me distante, mas atento à evolução do João. Não queria levar com um chumbo perdido. Sempre que nos cruzávamos cumprimentava-o. Queria manter aberta a possibilidade de usar a sua pontaria ao meu serviço se algum rufia da escola me incomodasse mais que o normal.

Hoje, o João Vieira é um político, que mais que diligente, é ameaçador. Todos na cidade se lembram da sua apetência para o fogo em ferrolho. Hoje, o nosso Nino é o primeiro presidente de câmara negro do país e hoje inaugura uma rotunda. Não resistiu a participar nos festejos: quis lançar o primeiro foguete. Com o défice de dedos na mão direita desequilibrou-se o projéctil, como um boomerang retornou a trajectória e alojou-se no centro do peito vestido de fato negro. A gravata era laranja o que ficou bem com a explosão.



abdel.

2 comentários:

Anónimo disse...

Este blogue está sempre na mesma!!!!!

todonu disse...

Como a lesma!!!!!